“A gente está cansado de esperar”: programa debate Fundo Florestas Tropicais para Sempre, governança e papel das juventudes
No ar pela Rádio Amar e Servir, a segunda edição do Missão COP30 mergulhou no anúncio do Fundo Florestas Tropicais para Sempre, cobrou capacidade técnica e governança participativa para que o dinheiro chegue “na ponta”, e destacou a centralidade de povos indígenas e comunidades tradicionais. Entrevistados também apontaram riscos de financeirização da natureza e defenderam o protagonismo das juventudes
Por Ronnaldh Oliveira
Publicado em 07/11/2025 17:51
COP 30

Belém (PA) — Ao vivo dos estúdios da Rádio Amar e Servir, em Belém, a segunda edição do Missão COP30 recebeu três vozes diretamente conectadas ao território e à política climática para discutir o recém-anunciado Fundo Florestas Tropicais para Sempre. Participaram Marcos (Comitê COP30, ribeirinho de Aramanaí, Belterra-PA), Francyellen Mendes (pedagoga e pesquisadora, nascida na periferia dos Jurunas, Belém) e Leonardo da Costa (historiador, professor e vereador em Cachoeirinha-RS).

Logo na abertura, o locutor Ronnaldh Oliveira situou a pauta: “Ontem foi lançado o Fundo Florestas Tropicais para Sempre, e quem está encabeçando um pouco isso junto dos demais países é o Brasil.” O programa, disse, seria “superfactual”, com foco direto no que está sendo discutido em Belém.

O que é o fundo e quanto vale

Questionado “em linhas gerais” sobre o funcionamento, Leonardo da Costa explicou: “O fundo nada mais é do que um espaço onde é colocado um dinheiro e vários países se relacionam para que aquele dinheiro seja aplicado em um devido lugar.” Segundo ele, houve proposta brasileira e “o governo federal já bancou um bilhão”, mas “só isso não basta”. A expectativa, acrescentou, é chegar a US$ 25 bilhões até o fim do evento e, depois, às casas de US$ 100 bilhões, voltados a manter a floresta de pé. Ainda de acordo com o historiador, “o fundo já começa com mais de 5 bilhões e meio de dólares anunciados”.

Apesar do volume, ele alertou para desafios de execução: “Se os caras que vão aplicar esse recurso não tiverem a capacidade técnica […] o recurso não é aplicado. […] Pode ter grana. Se não tiver corpo técnico […] não vai funcionar.” Ao comparar com a experiência do Rio Grande do Sul após as enchentes de 2024, foi taxativo: “Somente dinheiro não basta. Precisamos de pessoas qualificadas fazendo a gestão do recurso.”

Potencial e ciência: desenvolvimento, educação e empregos verdes

Francyellen Mendes reforçou que o impacto é econômico e social: “É um potencial não só econômico, mas com relação ao desenvolvimento mesmo: desenvolver a Amazônia e também trazer para a juventude uma possibilidade: acesso à educação ambiental, empregos verdes.” Para ela, é crucial popularizar a informação: “É algo muito novo […] a gente precisa levar essa informação […] e verificar como é que isso vai ser distribuído.”

Da periferia para a pesquisa, a pedagoga sublinhou o papel da universidade como “extensão da nossa vida” e defendeu pressão social para que o fundo “seja realmente efetivo” e o Brasil construa um case de sucesso. “A Amazônia é vida, e nós somos vidas”, disse, ligando justiça climática a políticas públicas que alcancem juventudes e periferias.

Um olhar de cuidado

Para Marcos Castro (Comitê COP30/Tapajós de Fato), o anúncio foi “um movimento histórico do ponto de vista diplomático”, com “5 bilhões já anunciados” e protagonismo de países do Sul Global. Mas ponderou: “Isso não elimina a necessidade de a gente questionar […] como é que ele vai operar, quem realmente é beneficiado, como é o modelo de governança e transparência.”

Financeirização da natureza e papel do setor privado

Provocado sobre financeirização, Leonardo não relativizou: “O pior problema desse fundo é que ele está falando de recursos privados. […] O público é bem comum, o privado não.” Ele pediu diretrizes que evitem greenwashinge compra de áreas por grandes poluidores apenas para captar recursos, e propôs universidades como canais eficazes para execução: “Fundos internacionais são muito mais efetivos quando se vinculam a universidades.”

Ao avaliar integração entre setor privado e sociedade civil, Leonardo disse: “Algumas instituições já perceberam que não existe economia com planeta em colapso”, lembrando que empresas precisam de previsibilidade. Defendeu regulação nacional e internacional e o fortalecimento de compensação ambiental.

Mudar mentalidade: floresta como “bem vivo”

Marcos recuperou o “bem viver” e a relação espiritual e afetiva com o território: “Temos uma conexão que é espiritual mesmo.” E cobrou coerência de tomadores de decisão: “Não existe justiça climática […] sem a escuta de quem, de fato, está sendo impactado.” Para ele, demarcação de terras indígenas e unidades de conservação habitadas (à la Chico Mendes) são pilares para “manter a nossa humanidade”.

Juventudes na linha de frente

“Nós não somos apenas o futuro da humanidade. Somos o agora”, afirmou Marcos, lembrando que seus avós estiveram na Eco-92 e que a juventude precisa “roubar o protagonismo” e se aprofundar na agenda. Leonardo concordou: “A juventude tem que puxar a corda. […] Já não dá mais tempo para ficar esperando de braço cruzado.”

No fechamento, Ronnaldh pediu uma frase aos líderes globais. Leonardo resumiu o espírito da rua: “A gente está cansado de esperar.” Marcos reforçou o critério de justiça: “Não existe justiça climática […] sem a escuta de quem […] sofre cotidianamente.”

O Missão COP30 segue com cobertura diária multiplataforma da Rádio Amar e Servir, rádios parceiras e redes — com retransmissões, publicações no site e um Boletim do Dia às 21h.

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