VITÓRIA NA AMAZÔNIA: Cúpula dos Povos encerra com recordes e entrega declaração política contundente à COP30
Encontro reuniu cerca de 23 mil credenciados, mais de 1.100 organizações e lideranças de 65 países; Declaração Final denuncia o modelo econômico global, exige justiça climática e afirma que as soluções para a crise climática nascem dos territórios
Por Ronnaldh Oliveira
Publicado em 17/11/2025 14:42
COP 30
Foto: Comunicação Cúpula dos Povos

BELÉM (PA) -  A Cúpula dos Povos, realizada entre 12 e 16 de novembro em Belém, encerrou sua programação nesta domingo com um marco político: a entrega oficial de sua Carta e Declaração Final ao presidente da COP30, André Corrêa do Lago, durante uma Audiência Pública na Universidade Federal do Pará. O ato simbolizou o reconhecimento da força da sociedade civil organizada e consolidou uma ponte inédita de diálogo entre o espaço popular e o processo formal da conferência climática.

O encontro, que mobilizou movimentos sociais, povos tradicionais, coletivos urbanos e organizações internacionais, apresentou números extraordinários para um evento paralelo à COP:

  • Mais de 23 mil credenciados, com 20 mil pessoas circulando diariamente pelo campus da UFPA.

  • Lideranças de mais de 65 países presentes.

  • Mais de 1.100 organizações signatárias da Carta Política.

  • Mais de 300 veículos de imprensa cobrindo as atividades.

Além de sua dimensão política, o evento deixou um legado material expressivo. A Cozinha Solidária, organizada por MST, MPA, MCP, FASE, ANA e diversos parceiros, serviu entre 9 mil e 12 mil refeições por dia, tornando-se a maior cozinha solidária já estruturada no Brasil e a maior compra pública do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA)em mais de duas décadas. A Feira Popular também destacou experiências de economia solidária, agroecologia, artesanias, espiritualidades tradicionais e modos de vida comunitários.

A força simbólica da ancestralidade e da unidade internacional

O encerramento foi profundamente marcado pelo protagonismo das lideranças originárias e pela reafirmação da ancestralidade como eixo político da luta socioambiental. Em referência à sabedoria de líderes como Cacique Raoni, mediadores lembraram que “a fé e a alegria lutam contra a morte e a tristeza”, afirmando que a resistência nasce da celebração da vida e da memória.

Representantes da CONTAG, de organizações amazônicas e redes internacionais ressaltaram que a mobilização popular “marcou a história da COP30” e consolidou um bloco global de denúncia das injustiças climáticas.

Diálogo com o Governo Federal e reconhecimento institucional

A mesa de encerramento da audiência pública contou com nomes centrais do Governo Federal, reforçando a legitimidade da agenda popular:

  • Sônia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas

  • Marina Silva, ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima

  • Guilherme Boulos, ministro da Secretaria-Geral da Presidência

  • Leutália, representante do Ministério das Mulheres

  • Representantes históricos de organizações internacionais e amazônicas.

A presença conjunta dessas autoridades e dos organizadores da Cúpula expressou o compromisso de levar as demandas construídas nos territórios ao centro das negociações da COP30.

 DECLARAÇÃO FINAL — O QUE DIZ O DOCUMENTO ENTREGUE À COP30

 Sintetiza dois anos de debates, formações, estudos e articulações internacionais. O texto, de caráter político e estrutural, traz uma crítica profunda ao modelo econômico global e define uma agenda popular de enfrentamento da crise climática.

A seguir, os principais eixos da declaração:

1. Diagnóstico: o capitalismo como causa da crise climática

O documento afirma que o modo de produção capitalista é a raiz da atual emergência climática e denuncia a atuação de corporações transnacionais, especialmente mineradoras, petrolíferas, agronegócio, indústrias bélicas e Big Techs.

Segundo o texto, esses setores impõem um modelo de exploração da natureza e dos povos, expandindo desigualdades e agravando riscos socioambientais.

2. Racismo ambiental e vulnerabilidade das periferias

A declaração afirma que comunidades periféricas e povos historicamente vulnerabilizados enfrentam os impactos mais severos das mudanças climáticas, ao mesmo tempo em que são negligenciados em políticas de adaptação, prevenção e reparação.

3. Rejeição às falsas soluções de mercado

O documento critica mecanismos de compensação, financeirização ou mercantilização dos bens naturais, afirmando que tais estratégias desviam a atenção das soluções reais baseadas em justiça climática e participação popular.

Menciona que programas como o Tropical Forestry Forever Fund (TFFF), se não forem transparentes e não garantirem benefício direto aos territórios, não representam respostas adequadas.

4. Exigências centrais apresentadas à COP30

Entre as principais reivindicações políticas estão:

  • Demarcação e proteção de terras indígenas e territórios tradicionais.

  • Desmatamento zero, restauração ecológica e combate às queimadas criminosas.

  • Reforma agrária popular e fortalecimento da agroecologia como solução climática real.

  • Cidades justas e políticas públicas de saneamento, moradia, mobilidade e arborização.

  • Participação popular em todas as etapas das políticas climáticas.

  • Desmilitarização e fim das guerras, com redirecionamento de gastos militares para reconstrução socioambiental.

  • Fim da exploração de combustíveis fósseis e transição energética justa e soberana.

  • Taxação das corporações que lucram com degradação ambiental e desigualdades.

  • Proteção de defensores ambientais e responsabilização de empresas e governos por crimes socioambientais.

  • Instrumentos internacionais vinculantes que garantam direitos humanos e obriguem empresas transnacionais a responder por danos.

5. Um chamado global à organização e ao internacionalismo popular

A declaração conclama os povos a fortalecerem redes de luta, solidariedade e construção comunitária, defendendo que as soluções para a crise climática nascem dos territórios e exigem união internacional contra um “inimigo comum”: a lógica de exploração que sacrifica a vida, os povos e a natureza.

Termina com um apelo emblemático:
“Povos do mundo: uni-vos.”

A Cúpula dos Povos encerra sua participação na COP30 com força política renovada, articulando uma agenda que reafirma que não há justiça climática sem justiça social, e que o futuro do planeta depende da valorização dos territórios, dos saberes ancestrais e do protagonismo das populações que protegem a vida.

A entrega da Declaração Final sela um capítulo histórico na COP realizada pela primeira vez na Amazônia, um encontro que, para milhares de participantes, já deixou sua marca no presente e nas próximas lutas da humanidade.

Comentários

Mais notícias