Vivemos um tempo em que as fronteiras entre o real e o digital desapareceram. Crianças e adolescentes crescem mergulhados em telas que abrem janelas para aprendizado e lazer, mas também para riscos sérios e muitas vezes invisíveis. A recente denúncia do influenciador Felca expôs de forma contundente a vulnerabilidade dos jovens diante de conteúdos abusivos nas redes sociais e acelerou, no Congresso, a tramitação do chamado ECA Digital, um conjunto de medidas que atualiza o Estatuto da Criança e do Adolescente para o mundo online.
O que muda com o ECA Digital
Segundo Catarina de Santana Silva, coordenadora executiva regional da Fundação Fé e Alegria; obra da Companhia de Jesus no Brasil, e integrante do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), a lei representa um marco de proteção.
“O ECA Digital visa proteger crianças e adolescentes do uso da internet, garantindo que plataformas digitais como redes sociais, aplicativos e jogos adotem mecanismos de segurança específicos. Isso significa mais controle por parte dos responsáveis, verificação de dados, restrição de conteúdos impróprios e formas mais diretas de denunciar possíveis abusos”, explicou.
Para as famílias, ela ressalta que a lei trará ferramentas concretas para acompanhar o que crianças e adolescentes acessam. Já para as plataformas, haverá exigência de ajustes em serviços, filtros, avisos de idade, regras sobre publicidade direcionada e resposta mais rápida às denúncias.
A lição do caso Felca
Sobre o episódio que motivou a aceleração do debate, Catarina foi enfática:
“A primeira lição é que a proteção no ambiente digital não pode esperar. É urgente que plataformas, famílias e o poder público atuem conjuntamente, com ferramentas de segurança, educação digital e mecanismos de denúncia”.
Ela reforçou que proteger não significa censurar:
“Garantir segurança para crianças não significa censura. Mas é importante criar regras claras, controles adequados e transparência, para que a internet continue sendo um espaço de aprendizado sem colocar esse público em risco”.

Catarina de Santana Silva é atualmente coordenadora reghional da fundação Fé e Alegria e também representa a instituição no Conselho nacional de assistência social (CNAS)/
Foto: Arquivo pessoal
Quem fiscaliza?
Catarina destacou que a efetividade da lei exige articulação entre diferentes atores:
“As plataformas precisam cumprir a lei, retirando rapidamente conteúdos que violem direitos. O Ministério Público e o Sistema de Justiça terão papel fundamental na fiscalização. Mas especialmente o SUAS e os conselhos de controle social, como o CNAS, são fundamentais para que a proteção chegue à ponta”.
Ela apontou que conselhos e serviços socioassistenciais podem apoiar famílias, orientar crianças e articular redes locais de proteção:
“Só haverá proteção integral se houver diálogo contínuo entre tecnologia, justiça e políticas sociais, garantindo que medidas legais se transformem em cuidado efetivo no cotidiano”.
O compromisso da Companhia de Jesus
A atuação da Fundação Fé e Alegria, ligada à Companhia de Jesus, também ganha nova dimensão com o ECA Digital.
“Nossa missão pode se traduzir em ações concretas que fortaleçam a proteção e a reflexão crítica no uso da internet”, afirmou Catarina.
Entre as medidas, ela citou:
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Formações para famílias e educadores (assistentes sociais, pedagogos, psicólogos),
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Educação midiática crítica com crianças e adolescentes,
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Protocolos de denúncia e acolhimento já em funcionamento dentro da instituição,
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Uso dos ambientes digitais da própria Fundação para conscientização e diálogo com as redes públicas locais.
Ética e esperança
A entrevista reforçou que legislar sobre o digital não é apenas um tema técnico, mas um compromisso ético, social e humano com a vida das crianças e adolescentes. E, como lembrou a representante da Companhia de Jesus, é também uma missão coletiva: de famílias, escolas, conselhos, plataformas e instituições de fé, para que todos os ambientes — digitais e presenciais — sejam espaços de cuidado, dignidade e esperança.