“A juventude indígena tem algo a dizer ao mundo sobre o cuidado da Casa Comum”, afirma Pe. Silvio Marques, SJ
Diretor do SARES fala sobre o protagonismo dos povos originários, a espiritualidade como força de resistência e o compromisso da Companhia de Jesus com os territórios e os biomas ameaçados
Por Redação Rádio Amar e Servir
Publicado em 09/07/2025 19:11
Justiça Socioambiental
Encontro da Juventude Indígena no Sul do Pará reuniu jovens das nove aldeias que compõem o território, com o objetivo de fortalecer o protagonismo juvenil indígena e promover debates sobre temas urgentes relacionados à defesa dos territórios, à crise climática e aos direitos dos povos originários. Foto: Ascom Jesuítas Brasil

Nos dias 3 e 4 de julho, a aldeia Sororó, localizada na Terra Indígena Sororó, em São Domingos do Araguaia (PA), foi palco do II Encontro da Juventude Aikewara, que reuniu jovens das nove aldeias do território para debater temas urgentes como racismo estrutural, crise climática e defesa dos direitos dos povos originários. Um dos convidados foi o jesuíta Pe. Silvio Marques, SJ, diretor do Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental (SARES), com sede em Manaus. Em entrevista à Rádio Amar e Servir, ele refletiu sobre o papel da juventude indígena e a presença da Companhia de Jesus na Amazônia.

Uma missão com os pés na poeira da Amazônia

Pe. Silvio descreve que a atuação da Companhia de Jesus na Amazônia se organiza a partir de três grandes eixos: acompanhamento aos povos indígenas, educação popular e de qualidade, e a ecologia integral como princípio transversal a toda missão.

“Estamos comprometidos com a causa indígena, que é uma causa de todos nós”, afirma.
Ele cita o trabalho realizado junto aos povos Sateré-Mawé e Mura, no estado do Amazonas, como exemplo da presença encarnada da missão:
“Nos Sateré, atuamos por meio do Projeto Flora. Já entre os Mura, acompanhamos uma forte resistência à empresa Potássio do Brasil. Lá, um jovem, o cacique Gabriel Mura, lidera a luta contra a mineração. Isso mostra como a juventude está na linha de frente.”

Durante o encontro, foram realizadas mesas de diálogo com temáticas como juventude e políticas públicas, consulta prévia, crise climática e COP30, dentre outros temas. Foto: Rodrigo Correia

Juventude indígena e COP30: protagonismo político enraizado na ancestralidade

Ao comentar o papel da juventude indígena no contexto da COP30, que será realizada em novembro em Belém (PA), o jesuíta foi enfático:

“Corre nas veias da juventude indígena toda a ancestralidade de seus povos. No encontro com os Aikewara, a voz era da juventude, mas trazia junto os saberes dos anciãos.”

Para ele, essa juventude representa uma força política legítima, enraizada no território:

“O território Aikewara é o único pedaço de mata virgem do sudeste do Pará, cercado por fazendas e desmatamento. E é a juventude que mantém a floresta em pé. Esse protagonismo é fundamental, pois eles têm algo a dizer não apenas sobre suas terras, mas sobre o futuro do planeta.”

Espiritualidade e resistência: a força que sustenta a luta

Pe. Silvio também falou sobre o racismo estrutural e ambiental, e como ele afeta diretamente os povos indígenas:

“Esse racismo se sustenta em três pilares: o sistema capitalista que produz desigualdade, a estrutura política que mantém esse modelo, e a violência — que pode ser simbólica ou sangrenta.”

Diante disso, a resistência dos povos é sustentada por algo mais profundo:

“A espiritualidade é o chão, o baluarte. É o que fortalece essa juventude, mesmo diante da exclusão nas universidades ou das ameaças em seus territórios. Para nós jesuítas, nossa espiritualidade inaciana nos chama a ser ‘contemplativos na ação’. Toda ação nossa é também espiritual, porque é no mundo — e no mundo amazônico — que Deus se revela.”

Uma Igreja com rosto amazônico e coração no território

A entrevista também trouxe à tona a contribuição histórica da Igreja junto aos povos indígenas e o aprendizado recíproco que essa convivência permite:

“Esses povos ensinam a Igreja. Os Suruís, por exemplo, chegaram a ter apenas 33 pessoas. Hoje são mais de 800. Isso tem a ver com o acompanhamento da Igreja. O Pe. Luís Muraro, SJ, e o Frei Gil foram fundamentais nesse processo, com programas de nutrição e presença pastoral constante.”

Segundo ele, essa história testemunha a necessidade de uma Igreja cada vez mais encarnada:

“O Papa Francisco, na Querida Amazônia, nos convida à conversão ecológica. Esses povos nos ajudam a viver isso. A Igreja que caminha com eles é uma Igreja com o rosto do povo, com os pés na poeira. É uma Igreja com rosto amazônico.”

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