A celebração dos 35 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), promulgado em 1990, é um momento de reconhecimento histórico, mas também de profunda reflexão. Para Fernanda Ariele da Silva, coordenadora pedagógica nacional de Fé e Alegria, ligado à Companhia de Jesus, a legislação é “um marco legal e político que reconhece crianças e adolescentes como sujeitos de direitos”, mas que ainda enfrenta inúmeros obstáculos para se tornar plenamente efetiva, sobretudo nos territórios mais vulneráveis.
Em entrevista especial à Rádio Amar e Servir, Fernanda destacou que o ECA significou uma mudança de paradigma na forma como o Brasil entende suas infâncias e adolescências. “Rompemos com a lógica do antigo Código de Menores, que via crianças como objetos de tutela. Hoje, reconhecemos sua dignidade e integralidade como pessoas em desenvolvimento”, afirmou.
Apesar dos avanços, como a criação dos Conselhos de Direitos e Tutelares, a ampliação de políticas públicas intersetoriais e o fortalecimento do direito à educação e à saúde, Fernanda ressalta que os desafios permanecem profundos. “A precarização da educação pública, o racismo estrutural, o aumento da violência e do trabalho infantil ainda marcam duramente a vida de milhares de meninos e meninas, sobretudo os pobres, negros, indígenas e periféricos”, pontuou.
É nesse cenário que Fé e Alegria atua com firmeza. Presente em 14 estados do Brasil, a obra jesuíta aposta na educação popular e na espiritualidade inaciana como ferramentas de transformação. “Nossos projetos não são neutros. Eles partem de uma leitura crítica da realidade e de uma aposta na transformação social pela via da educação”, explicou a coordenadora.
Segundo Fernanda, a ação educativa de Fé e Alegria vai muito além dos conteúdos escolares: “Nós promovemos espaços seguros e afetivos para que crianças e adolescentes possam aprender, brincar, se expressar e conviver. Formamos educadores comprometidos com a proteção integral e investimos na formação contínua das nossas equipes”.
A pedagogia adotada pela instituição se enraíza em três pilares: a espiritualidade inaciana, a educação popular e o compromisso com a justiça socioeducacional. “Nossa espiritualidade nos impele ao cuidado, à escuta sensível e ao compromisso com os mais pobres. Promovemos uma educação baseada no afeto, no respeito e no diálogo com a realidade dos territórios”, afirma.
Além da prática educativa, Fé e Alegria participa ativamente de espaços de controle social, como conselhos e fóruns de direitos da criança e do adolescente. “Ocupar esses espaços é essencial. É ali que conseguimos garantir que as vozes das crianças invisibilizadas pelos poderes públicos sejam ouvidas e respeitadas”, reforça.
Ao longo da entrevista, Fernanda também destacou o papel profético da obra: “Nosso trabalho é transformar indignação em ação educativa. Queremos construir, no cotidiano, sinais e espaços onde a infância é respeitada, protegida e amada”.
Para ela, celebrar os 35 anos do ECA é também renovar o compromisso com a justiça e com o evangelho. “O ECA nos convida a não naturalizar as violências. Ele nos lembra que criança não é miniatura de gente, é gente inteira, com direitos inteiros. Precisamos ter coragem de defender os direitos, mesmo quando isso incomoda”, afirmou.
A entrevista completa pode ser ouvida na Rádio Amar e Servir e nas rádios parceiras em todo o Brasil.