“Essa é a COP do povo”: jovens da Amazônia e Igreja cobram justiça climática na COP30
No programa Missão COP30, a ativista marajoara Natália Mapua e o padre jesuíta Jobson Ramos analisam a realização da conferência na Amazônia, o protagonismo dos povos indígenas, os limites da transição energética no Brasil e o papel da Igreja diante do negacionismo climático
Por Ronnaldh Oliveira
Publicado em 14/11/2025 14:42
COP 30

Direto da Central de Mídia da COP30, no Parque da Cidade, em Belém, o jornalista Ronnaldh Oliveira abriu o programa lembrando a dimensão histórica do momento: mais de 55 mil pessoas, entre sociedade civil, ministros, chefes de Estado, instituições religiosas e organizações não governamentais, participam ativamente da conferência.

Ele destacou que a COP30 “não é a COP da Amazônia, ela acontece na Amazônia”, mas insiste que o bioma é responsabilidade global:

“Dizem por aí que é o pulmão do mundo, mas mais do que isso, ela é responsabilidade de todos nós.”

O programa é retransmitido pela Rádio Amar e Servir e por diversas rádios parceiras, formando, nas palavras de Ronnaldh, “um grande movimento em favor da vida, a favor da nossa existência humana”.

“COP do povo”: participação inédita de povos indígenas e comunidades tradicionais

A ativista socioambiental Natália Mapuá, marajoara de Breves (PA), formada em Direito e mestranda em Direitos Humanos na UnB, contou que a escolha do Brasil e da Amazônia como sede foi recebida com entusiasmo ainda durante a COP28, em Dubai:

“A delegação do Brasil, que na COP de Dubai foi a maior delegação, ficou muito empolgada, principalmente pensando nas dificuldades que sempre é a gente conseguir chegar em lugares tão distantes para participar da discussão climática.”

Para Natália, a COP30 em Belém se tornou “uma COP de alta participação da sociedade civil”, com forte presença de povos originários e comunidades tradicionais.
Ela sublinha que, em comparação com conferências anteriores, esta é a edição com maior presença indígena:

“Comparada a outras COPs, essa é a COP que a gente tem a maior participação de povos indígenas e, principalmente, de comunidades tradicionais. (…) Eu vejo muito essa COP como uma COP do povo, uma COP que os povos estão participando, que a sociedade civil está muito presente e que a gente consegue trazer a nossa demanda.”

Natália lembrou espaços como a Aldeia COP, com cerca de 3 mil indígenas, e outras estruturas de mobilização, como a Casa Maracá, ressaltando que, embora existam limites e burocracias de acesso à Zona Azul, há hoje mais canais para levar denúncias, necessidades e soluções dos territórios às mesas de negociação.

Igreja na COP30: legado de Francisco e combate ao negacionismo climático

Conectado de Fortaleza, o padre Jobson Ramos, SJ, paraense de Alenquer com trajetória missionária no Amazonas e em Roraima, falou sobre a presença inédita da Igreja Católica na conferência. Ele lembrou que esta é a COP com maior participação de bispos, cardeais, religiosos e religiosas, bem como da Companhia de Jesus, articulada em torno do projeto “Igreja na COP30”.

Jobson situou essa mobilização no caminho aberto pelo magistério do Papa Francisco:

“Eu acredito que esse é o verdadeiro legado do Papa Francisco, do seu magistério. Esses dez anos foram um tempo de gestação, de ir plantando, semeando, regando pequenas sementes para que nós pudéssemos chegar hoje nesse movimento de perceber que a Igreja está acordando.”

Ele reconhece, porém, que ainda há resistência dentro das comunidades cristãs:

“Certamente os passos ainda são muito curtos e lentos, e a gente ainda dá passos muito lentos, porém são passos necessários. (…) Existem pessoas dentro da Igreja que, mesmo tentando acertar, têm errado bastante, cometendo pecados sociais, pecados ecológicos.”

Para o jesuíta, a resposta passa por caminhar “junto com a sociedade civil, junto com o povo”, ajudando a superar o negacionismo climático dentro das próprias comunidades de fé.

Amazônia que ensina: experiência, cultura e conversão do olhar

Questionado sobre as críticas à escolha de Belém como sede, Jobson rebateu os preconceitos contra a região Norte e afirmou que trazer a conferência para a Amazônia foi “um acerto muito grande”:

“O que a gente escuta ao sair da Amazônia é que a Amazônia é só mato e índio. (…) Trazer a COP para a Amazônia foi um acerto muito grande da parte do governo do Brasil.”

Para ele, a presença de milhares de pessoas vivendo na prática a realidade amazônica,  chuvas intensas, alagamentos, calor, cultura e culinária locais, muda o imaginário de quem vinha com medo ou preconceito:

“As pessoas vão ter a oportunidade de falar da Amazônia a partir da experiência que elas mesmas estão tendo. (…) Estão vivendo na prática uma experiência de enamoramento, de sentir-se apaixonados por um lugar, e quando a gente ama, a gente cuida muito mais.”

Jobson acredita que, depois da COP30, “o mundo vai ter mais desejo ainda de cuidar, porque estará amando verdadeiramente a nossa Amazônia”.

Tecnologias ancestrais, transição energética e justiça

Natália, que integra a Aliança de Juventude por Transição Energética, explicou que a tecnologia necessária para enfrentar a crise climática não é apenas a que vem dos laboratórios e grandes centros de pesquisa. Ela lembrou o papel das “tecnologias ancestrais” dos povos indígenas:

“São tecnologias que já estão há milênios aí no mundo, mas que, devido à não participação de povos indígenas dentro das discussões, não são reconhecidas como soluções tecnológicas para a crise climática.”

Ao falar de transição energética, ela fez questão de sublinhar o adjetivo que vem sendo repetido pelos movimentos:

“A gente não pede só transição energética, a gente não quer só transitar. A gente pede transição energética justa. (…) Se a gente está nesse caminho hoje, de muitos impactos ambientais, ondas de calor, enchentes, é porque a gente tem um histórico de muitas injustiças contra territórios e comunidades tradicionais.”

Questionada sobre a afirmação do presidente Lula de que o Brasil está preparado para liderar essa transição, Natália foi direta:

“Não estamos preparados, mas isso não significa que não podemos nos preparar.”

Ela apontou a contradição entre o discurso climático e a insistência na exploração de petróleo na foz do rio Amazonas:

“A exploração de petróleo gera muita economia, então o olhar econômico capitalista está à frente de todos. (…) O lucro é mais importante e o nosso futuro fica em segundo plano.”

Juventudes e conversão de hábitos: esperança em passos lentos

Como diretor de um centro de juventude da Companhia de Jesus em Fortaleza, Jobson relatou os desafios de engajar jovens em formações socioambientais. Algumas atividades precisaram ser canceladas por falta de inscrições, mas, quando o encontro acontece, a adesão é qualificada.

Ele descreveu a estratégia de começar “pela casa”, mudando práticas internas, consumo e formas de lidar com resíduos, para que a própria estrutura se torne um sinal que provoca perguntas e, assim, forma consciência:

“Antes de oferecer alguma coisa, a gente tem que mudar a casa, diminuir a nossa poluição. (…) As pessoas vendo possam perguntar para tentar entender o que está acontecendo e assim a gente vai formando novas consciências.”

Apesar dos obstáculos, o jesuíta vê um sinal forte de esperança na atuação das novas gerações:

“A minha esperança é essa, de que há um grande número de pessoas jovens interessadas nesse tema, que querem acertar já desde agora. Se a gente continua cativando a juventude, ensinando as crianças sobre a importância de cuidar da casa comum, é possível que em alguns anos a gente tenha alguma transformação.”

Ao mesmo tempo, ele alerta que a natureza, já “muito degradada”, vai precisar de décadas para se recuperar, mesmo que as mudanças de hábito sejam rápidas.

Recado aos negociadores: sair da Zona Azul, escutar os povos e assumir reparações

Ao final do programa, Ronnaldh pediu aos convidados uma mensagem direta aos chefes de Estado e negociadores que participam das tratativas na Zona Azul.

Padre Jobson foi enfático ao pedir escuta e abertura:

“Aproveita que vocês estão na Amazônia, sai da Zona Azul, vai escutar o povo que está aclamando lá fora. (…) São eles que sabem como fazer, são eles que compreendem, são eles que sentem a floresta, são eles que sabem como manter de pé utilizando do que ela pode oferecer.”

Natália, por sua vez, pediu mais ambição nas decisões e justiça para o Sul Global:

“Eu pediria para eles terem ambições nas suas decisões para criar os nossos territórios resilientes e garantir o nosso futuro, tanto quanto têm ambição quando vão tratar de desenvolvimento econômico. (…) Que eles cobrem dos países do Norte Global que eles paguem por tudo que já fizeram. Esse é o mínimo de justiça, de reparação.”

 

O programa encerrou com o convite de Ronnaldh para que os ouvintes continuem acompanhando a COP30 pelas transmissões da Rádio Amar e Servir e rádios parceiras, com a lembrança de que “essa missão não é minha, não é sua, mas é nossa” – e de que ainda “tem muita água para passar por baixo dessa ponte” até o fim da conferência, no dia 21 de novembro.

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