Na reta final da COP30, realizada em Belém, o jesuíta Pe. Cristóbal Emilfork, SJ, pesquisador e acompanhador de comunidades em regiões extremas da Patagônia e da Antártica, compartilhou uma análise profunda sobre o estado das negociações e os desafios que ainda precisam ser enfrentados pela comunidade internacional.
Para ele, a conferência deste ano representa um momento decisivo não apenas para os governos, mas também para a sociedade civil e para cada pessoa que busca compreender como a crise climática atravessa todas as dimensões da vida humana.
O jesuíta enfatizou que a COP30 tem uma particularidade crucial: é uma COP de implementação. Segundo ele, isso torna ainda mais urgente que os mecanismos financeiros sejam justos, acessíveis e não reproduzam desigualdades históricas.
“É fundamental que os mecanismos de financiamento possam circular não através de créditos, mas de bancos que não cobrem interesses nem imponham condições aos países que precisam de recursos para adaptação e perdas e danos”, afirmou.
Ele reforçou a necessidade de clareza nos mecanismos de implementação, especialmente para a transição justa e para o acesso ao financiamento por parte dos mais vulneráveis: “Gostaria que a COP terminasse com clareza sobre mecanismos de implementação. É fundamental ter canais reais de financiamento para quem mais precisa.”
A COP como oportunidade de conversão ecológica
Pe. Cristóbal também destacou o papel da COP na sensibilização da população. Para ele, mesmo quem está fora das negociações precisa reconhecer que as decisões tomadas ali têm impacto direto no cotidiano.
“A COP é uma oportunidade para colocar na mesa um tema que muitas vezes deixamos à margem: o câmbio climático. Precisamos aproveitar esse momento para pensar como queremos viver em nossa casa, na nossa comunidade, no nosso dia a dia.”
Ele apontou que a crise climática evidencia a fragilidade do atual modo de vida:
“Vivemos em um sistema que, inconscientemente, depreda. Um sistema orientado a consumir, gastar, não reciclar, não pensar a partir da austeridade. A COP nos permite levantar o olhar e transformar o coração e o estilo de vida.”
Essa transformação, segundo ele, é inseparável do cuidado com as relações humanas: “Cuidar do meio ambiente é cuidar também do meu irmão, da minha irmã, dos colegas. Não existe divisão real entre natureza e humanidade.”
Educação ecológica: prioridade para o futuro
Durante a conferência, o jesuíta participou de reuniões com a delegação do Vaticano, onde a educação foi reafirmada como prioridade absoluta da Igreja no campo socioambiental.
“A Companhia de Jesus sempre se caracterizou pela educação. Agora temos o desafio de pensar como nossas instituições podem se impregnar dessas problemáticas para gerar uma educação para a ecologia integral.”
Ele lembrou que essa responsabilidade atravessa todas as frentes da missão jesuíta — colégios, universidades, centros sociais, paróquias e comunidades.
Destacou também os frutos da campanha global Jesuítas pela Justiça Climática, que há 10 meses mobiliza iniciativas como o podcast Fé e Ecologia e as Cartas à Terra, amplamente difundidas no continente.
Pesquisa na Antártica e espiritualidade na ciência
Além da participação na COP30, Pe. Cristóbal compartilhou aspectos de sua atuação como pesquisador em ambientes extremos.
“Vou para a Antártica no próximo mês. Estarei entre o gelo e com os glaciólogos. Ali também vivo meu sacerdócio: reconhecer a presença de Deus na criação e servir através da ciência.”
Ele explicou que sua vocação se manifesta tanto na pesquisa quanto na convivência com equipes diversas — muitas vezes compostas por pessoas sem vínculo religioso:
“Como dizia Francisco de Assis: pregue o Evangelho, e, se necessário, use palavras. As ações profissionais, acadêmicas e cotidianas também falam do Evangelho.”
O que ainda falta na COP30
Com as negociações se aproximando do fim, Pe. Emilfork listou os pontos que considera indispensáveis para uma conclusão responsável da conferência:
1. Clareza na implementação, especialmente na transição justa.
2. Compromissos robustos de financiamento voltados aos países e populações mais afetados.
3. Ambição firme para não ultrapassar 01.5 °C de aquecimento.
4. Reconhecimento de que cada décimo de grau importa, sobretudo para regiões glaciais e costeiras.
“Cada décimo de grau importa. Não é apenas porque o gelo é bonito. Menos gelo significa mais elevação do nível do mar e mais impacto sobre populações ribeirinhas e comunidades de montanha.”
Ele concluiu reforçando a necessidade de verdade e responsabilidade nas decisões finais:
“É fácil dizer que já perdemos a meta de 01.5 °C e desistir. Mas cada escolha hoje define o futuro das próximas gerações.”